QNEWS | #002 | LISTEN
Na minha cabeça foi mais ou menos assim:
Abri a tampa do toca discos, coloquei o vinil pra tocar e relaxei com aquele som perfeito que saía das caixas.
A realidade:
Peguei o telefone, liguei a caixa de som bluetooth, abri o spotify e não relaxei porcaria nenhuma. A única semelhança era o som perfeito que saía da caixa.
Essa nossa realidade nos faz desconectar de certas coisas que existem num passado que parece tão distante.
Há alguns anos minha rotina de TODAS as noites era parar e ouvir música. Independente do disco. Eram meus discos, eram os que eu tinha e, por algum motivo, escolhidos nas lojas (até a falta de opção era um desses motivos). O ritual noite após noite era sagrado e me conectava com esse universo de alguma maneira.
Novas maneiras de consumir música substituíram hábitos antigos. Hoje, parar pra ouvir um disco parece algo distante, difícil de acontecer. O que será que aconteceu?
Essa é uma reflexão que me faço constantemente. Onde e como foi que isso parou?
Não há como argumentar contra o fato de que a internet nos deu possibilidades infinitas de conhecimento e acesso a praticamente tudo. Discografias completas, novas músicas, discos e singles. É o paraíso!
É mesmo?
É e não é.
A escassez era um estimulante e tanto. Conseguir um lançamento, acompanhar o que estava acontecendo no planeta era praticamente impossível. Até os discos ruins tinham um papel importante nessa equação. Hoje, se é ruim você não ouve e pronto. Antes, se só tivesse o ruim disponível era com ele mesmo que ia e, na sua cabeça, poderia até soar menos pior.
Um exemplo (não de disco ruim, mas sobre essa dinâmica que estou comentando): por anos, o único disco disponível na lojinha que gostava de ir era o Hours do David Bowie. Nada de Ziggy Stardust, Heroes ou Scary Monsters. Rebel Rebel? Só se algum dj maluco tocasse no rádio. Então era o Hours mesmo que ia pro micro system (agora tem gente lendo isso e falando, oi? wtf is micro system?). O resultado: na minha cabeça ele é tão incrível quanto outros do, pausa dramática, Deus Bowie. Inclusive, estou com ele nos fones de ouvido nesse momento.
My heart was never broken
My patience never tried
I got seven days to live my life
Or seven ways to die
Meu sonho era ter o New Order Substance, mas a grana só dava pro Technique, o outro era duplo. Paciência… Toma meu dinheiro e me dá esse disco agora! Quando ouço Fine Time começando o olho enche d'água (esse foi o primeiro disco que comprei com o dinheiro economizado de muitas mesadas, lá em 1990). Hoje o Substance tá salvo na minha biblioteca mas quantas vezes coloquei ele pra tocar? Poucas, garanto.
Também tem o outro lado dessa moeda chamada internet é escancarar quão pobre a música pode ser. Tem muita gente fazendo qualquer coisa a qualquer custo e de qualquer jeito.
Vamos combinar que a quantidade de lixo espalhado por aí é tão infinita quanto a própria internet. O que será que as pessoas pensam quando ouvem esse manifesto intelectual (já tô tomando partido sim):
E por acaso esse motel
É o mesmo que me trouxe na lua de mel
É o mesmo que você me prometeu o céu
E agora me tirou o chão
?
E esse:
Ouça-me bem, amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinhos
Vai reduzir as ilusões a pó
?
Percebe a diferença? São duas pessoas "reclamando" um amor perdido. Mas a capacidade de construção e vocabulário é um abismo entre as duas.
Então, se dá pra ouvir o que quiser e separar o que ruim do que é bom onde foi que o hábito de mergulhar na música se perdeu?
Minha resposta é transformar a pergunta em resposta: a possibilidade de ouvir tudo, qualquer hora e separar o que é ruim do que é bom faz a coisa toda virar descartável, corriqueira, mundana. É uma desconexão total com a música.
A internet nos deu a possibilidade de separar o joio do trigo. Só que as pessoas estão com preguiça de fazer isso.
Mas de vez em quando minha fé na música é renovada. Ainda consigo me emocionar ouvindo algo, o que me faz ter vontade de continuar a ouvir mais e descobrir coisas novas e velhas que passaram batidas.
E você, o que acha? : )
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PLAY
Tem um cara (dentre muitos) que admiro pra cacete nesse universo musical. O jornalista Ricardo Alexandre.
O Ricardo escreveu 2 livros importantíssimos pra história da música aqui no Brasil: Dias de Luta: O rock e o Brasil dos anos 80 e Cheguei bem a tempo de ver o palco desabar: 50 causos e memórias do rock brasileiro. Fez um podcast incrível, que chamava Ouve Essa, escreveu pra Trip, Estadão, Bizz, Vida Simples e agora volta com um podcast mais do que necessário: Discoteca Básica.
O intuito é falar a história dos maiores álbuns de todos os tempos. Sempre com um convidado, vão dissecar os discos e tentar trazer pra hoje toda aquela sensação que comentei acima de parar pra ouvir música. O primeiro episódio foi sobre o Pet Sounds do Beach Boys, uma obra-prima. Play agora!
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08/80
Qual a função do Spotify? Te apresentar músicas novas?
Nada disso. É fazer você ouvir Anittas e Gustavos Limas em doses cavalares.
Disse o "querido" CEO recentemente:
"Você não pode gravar músicas uma vez a cada três ou quatro anos e achar que isso será suficiente. Os artistas atuais estão percebendo que se trata de criar um envolvimento contínuo com seus fãs. É sobre lançar seus trabalhos, criar uma narrativa de álbum e manter um diálogo contínuo com seus fãs."
O que ele quis dizer: façam mais discos pra ganhar mais dinheiro. Artistas ganhando mais dinheiro significa Spotify ganhando mais dinheiro.
Mas é pra isso que se faz música? Desculpem minha inocência, mas ainda acho que artistas de verdade não agem assim. Anittas e Gustavos Limas sim.
Diante de tal declaração várias pessoas retrucaram o dirigente, entre elas Mike Portnoy do Dream Theater (que eu nem curto):
“Que putinha gananciosa…já é ruim o suficiente que ele valha BILHÕES baseado em roubar e dar as músicas de outros músicos…mas agora ele sugere que a gente precisa fazer MAIS música para ELE ganhar mais dinheiro!!! F***-se o Spotify e F***-se o Daniel Ek! Eu tenho 8 discos completos lançados em 2020 & vou ganhar AMENDOINS nele (se ganhar qualquer coisa…) Então a teoria dele de que artistas precisam fazer MAIS música para serem bem-sucedidos é uma merda! F***-se o Daniel Ek & f***-se o Spotify! Apoie OS ARTISTAS DIRETAMENTE se você quer que eles continuem fazendo música…”
É aí que entra o Bandcamp.
Na contramão desse tipo de atitude a plataforma se mantém firme no propósito de "oferecer um mecanismo no qual os fãs podem apoiar diretamente os artistas". E estão fazendo isso com certa maestria.
Agora nessa Pandemia o serviço deixou de cobrar sua comissão para aumentar os ganhos dos músicos. Atitude louvável, não é mesmo? Numa plataforma onde você coloca o preço da sua música e 100% disso vai pro seu bolso é um "adianto". Diferente do Spotify, que fica com a grana e te passa migalhas. Ponto pra eles.
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STALKER
#TemUmGatoNaMinhaVitrola
A nova música tá nesse instagram. De coisas fodas como Boogarins à porcarias como nãovoucitarporquejáfaleialiemcima.
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Bem, por hoje é só, pessoal.
Ouçam mais discos. Pesquisem mais músicas. Deletem porcarias da sua vida. Ela é muito curta pra ouvir coisa ruim.
Ah, antes que eu esqueça. O disco que coloquei pra tocar lá em cima, na abertura dessa Newsletter foi esse aqui (perfeição):
Até a próxima semana!